O contrato de “Barter” no agronegócio e sua submissão à recuperação judicial 1a1e51

Publicado em 28/03/2025 12:10
Por João Octávio Moizés, Ligia Valente e Camila Somadossi

O Barter é uma prática fundamental no agronegócio brasileiro, permitindo que produtores rurais em insumos essenciais, como sementes, fertilizantes e defensivos, sem a necessidade de pagamento imediato. Em contrapartida, o produtor se compromete a entregar uma parte de sua produção futura, como sacas de soja ou milho. Essa troca direta, que dispensa o uso de dinheiro, geralmente envolve três agentes: o produtor, o fornecedor e uma trading, que comercializa a produção no mercado interno ou externo. 49606

Para organizar essas operações, é comum utilizar a Cédula de Produto Rural (R), um título que formaliza a obrigação do produtor de entregar o produto ou, dependendo do caso, realizar o pagamento em dinheiro. Por isso, ela existe em duas modalidades: a R Física, quando há a obrigação de entrega do produto, ou financeira, que permite a liquidação em dinheiro.

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.112/2020, que alterou tanto a Lei de Recuperação Judicial e Falência (lei 11.101/2005) quanto a Lei da R (lei 8.929/1994), surgiram novos desdobramentos na relação entre o Barter e os processos de recuperação judicial.

Uma das mudanças mais importantes foi a exclusão dos efeitos da recuperação judicial para contratos de Barter vinculados à R Física. Segundo a nova redação do art. 11 da Lei da R, os créditos e garantias dessas cédulas, quando representativas de trocas de insumos (Barter), permanecem protegidos. Isso significa que, mesmo que o produtor entre em recuperação judicial, o credor tem o direito de receber o produto ou buscar a restituição dos bens vinculados à cédula, salvo em situações de caso fortuito ou força maior. 

No entanto, tendo em vista que a lei apenas excluiu dos efeitos da recuperação judicial aqueles contratos vinculados à uma R Física, entende-se que esta proteção não foi estendida a contratos de Barter não vinculados à uma R Física ou mesmo àqueles lastreados em R Financeira.

Por conta disso, esses contratos estariam sujeitos às regras gerais da recuperação judicial e podem ser tratados como créditos concursais, competindo com outros credores no processo de recuperação.

Essa lacuna legislativa levanta um ponto de debate importante: como os tribunais vão lidar com os contratos de Barter sem vínculo com R Física? A discussão é relevante, especialmente considerando o papel estratégico do Barter no financiamento do agronegócio e a necessidade de equilibrar a proteção aos credores com a recuperação da atividade produtiva do devedor.

Além disso, no caso da recuperação extrajudicial, a legislação também não menciona exclusões específicas para contratos de Barter, mesmo os vinculados à R Física. Isso sugere que esses contratos podem ser submetidos ao plano de recuperação extrajudicial, o que ainda deve ser objeto de questionamento nos tribunais.

Embora o Barter continue sendo uma solução eficiente e inovadora para o agronegócio, os desafios legais associados à recuperação judicial reforçam a importância de contratos bem estruturados e com clareza quanto às garantias e obrigações. Os próximos os cabem aos Tribunais, que terão que enfrentar essas discussões e estabelecer precedentes sobre a aplicação da Lei nº 14.112/2020 em operações de Barter, trazendo mais segurança jurídica ao setor.

Para produtores e credores, entender as nuances legais e acompanhar as interpretações dos Tribunais será essencial para garantir que o Barter continue sendo um motor do desenvolvimento do agronegócio, mesmo em cenários desafiadores. Afinal, a inovação no campo só é sustentável quando acompanhada por contratos sólidos e decisões judiciais que promovam equilíbrio e segurança jurídica.

*João Octávio Moizés é advogado especialista da área de Recuperação Judicial do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

*Ligia Cardoso Valente é advogada especialista da área de Recuperação Judicial do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

*Camila Somadossi G. da Silva é especialista da área de Recuperação Judicial e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

Fonte: Ustra Sociedade de Advogados

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